Tem vezes que é assim

Tem vezes que é assim, imagino loucuras. Viajo num mundo sem razão. Sem padrão. Nesse mundo, onde há uma inexistência de certos ou errados, apenas experiências e nada mais, me perco em pensamentos. Olho um pássaro, sei que ele pode voar, isso não é uma regra é uma convenção. Existem pássaros que não voam. Mas vejo os pássaros brincando com o vento, voando para longe e retornando para o seu ninho. Que ninho? O ninho também é uma convenção, em mundo de humanos o ninho representa a casa, um lugar seguro. Num mundo religioso, existe a igreja, onde, convencionalmente os pássaros voam durante a semana e retornam aos domingos. Também não sei se existem pássaros que passam a noite na casa de outros, ou que decidam morar juntos, tirar umas férias. Não sei, pode até existir pássaros que, cansados da monotonia do reino de Deus, vão dar umas bandas pelos prazeres e incertezas do inferno, mas ao retornarem geralmente acabam contando suas experiências em gaiolas, lindas gaiolas em madeira nobre. Se a igreja é a casa do religioso, o confessionário seria então sua gaiola, lugar onde recebem uma penitência por compartilhar experiências. Mas é da natureza das aves evitar as penitências, logo esses pássaros deixam de voar, ou voam menos. As asas já não suportam mais o peso da sua própria consciência. Com o tempo esse pássaro já não voa mais. Mas pela convenção, se tem asas, pode voar, e o mundo das razões é muito sábio em nos passar a ideia de asas e de que é possível voar, e nos dão um espaço para isso, mas a nossa liberdade é diretamente proporcional ao tamanho da nossa gaiola, e não se deixe enganar, já vi gaiolas enormes.

Talvez seja por isso que gosto de imaginar um mundo livre de razões. Talvez por convenção esse seja o mundo das loucuras, onde gosto de me imaginar um pássaro, mas percebo que ainda sou pássaro novo. Inseguro, voo com a ideia de ter que retornar para o meu ninho, não sei o que seria de mim se parasse em outro continente, sou pássaro consciente. Sinto uma necessidade em chegar lá, mas há certos lugares que tenho medo de não conseguir voltar. Ainda que eu ignorasse o andamento da historia e fizesse como João e Maria, que jogavam migalhas de pão ao longo do caminho para encontrar o rumo de volta para o seu ninho, isso seria inútil, migalhas de pão jogadas ao vento, simplesmente não faria sentido. Então voo contido.

Lá em cima vejo outros pássaros, voando livremente. Não sei bem para onde vão ou de onde vêm, mas cruzamos os caminhos e sei também que muitos deles estão ali faz tempo, muito tempo, e espero que esses fiquem a voar eternamente, quero poder aprender como eles um dia, num voo qualquer. Muitas vezes não faço perguntas, ou melhor, normalmente não sei nem por onde começar, talvez não me sinta no direito de atrapalhar um voo tão doce e tranquilo, mas curioso, observo. Queria ter aquela tranquilidade para voar. Posso também estar perdendo a chance de conhecer outros caminhos, outros lugares. Mas sou pássaro novo e volta e meia me pego atento mesmo ao voo, não quero cair. Mas tem vezes que vejo as coisas de maneira diferente, do mundo físico que conheço só sinto mesmo o arrasto do vento, e uma aparente inexistência da gravidade. Talvez seja a leveza da inocência, do não saber, quando voo não sinto o peso do que é certo ou errado, existe uma constante ausência da verdade, para mim tudo é novo. Apenas voo e observo. 

De volta ao ninho, já sem asas ainda é possível sentir uma leveza. Tento a todo custo me lembrar daquele mundo mas trago comigo mais relatos sobre a experiência do que conteúdo. As coisas que ouço e converso com os outros pássaros não são necessariamente perdidas, mas ficam guardadas em um local profundo. 

Quem sabe um dia eu consiga voar seguro e trazer mais conhecimento e menos intuição.