Não houve despedida

Não sinto mais você. Nem ao menos sei se o verei novamente. Acho que não.

Muitas de suas coisas ainda estão aqui, mas não tenho forças para me livrar delas, não consigo fazer isso sozinha. Vejo sua mala ainda ao pé da escada e aquilo por muito tempo me alimentou com a esperança de te ver passar por aquela porta novamente.

Mas até o relógio da cozinha parou, ja não conta mais as horas, acho até que é bom. Me deixava aflita. E agora já não sei quanto tempo faz que você se foi.

Em meu corpo, agora já desgastado, sujo e coberto de fissuras ainda tenho as nossas tatuagens. Marcas dos nossos momentos mais íntimos, de quando costumávamos a divagar sobre a vida, juntos. A sós. Você e eu. Muitas pessoas achavam isso loucura, mas essa dependência um do outro era o que me completava. Sempre.

Mas sinto que já não tenho mais estruturas para segurar o que sou por muito mais tempo, deve ser a ação dos anos que estão a ranger os assoalhos, sinto a umidade a entrar e corroer minha coluna central, braços e pernas, e as vezes sinto frio. Muito frio.

Em dias de calor já não tenho quem me abra as janelas e sinto que não consigo respirar, o pouco do ar que respiro vem das rachaduras que aumentam dia a dia.

Mas aquela mesma porta que te viu partir continua aberta, nunca se fechou, e recentemente até tive visitas, e acredito que muitos outros ainda virão, e provavelmente mudar quem eu sou, mas você não voltará. Sei que não, e sei também que nunca mais serei a mesma.

Talvez seja o fim...

Ou um novo começo.

Se acaso passares por mim novamente, e não me reconhecer através de suas memórias, por favor não se engane, não fui eu quem partiu.

Eu nunca poderia.