Lugar de luz

Você está a olhar para algo.

Você enxerga, certo?

Parece tão óbvio e ao mesmo tempo tão habitual, não é?

Enxergar é dessas coisas inevitáveis na vida, assim como ouvir, respirar, ter o sangue a correr em corpo fechado. Mas você enxerga… Uma luz reflete em algo, e o que vemos então seria uma luz, ou melhor, um reflexo, mas em sua essência ainda é a mesma luz, que agora percorre o espaço até chocar-se com os seus olhos. Assim temos a noção de que enxergamos, e assim vemos… Coisas.

Agora, feche os olhos...

E Então? Vê isso?

Isso, é no mínimo interessante não é? Ao fecharmos os olhos sentimos um vazio enorme, e em seguida, em fracções de segundos (não saberia dizer ao certo) vemos manchas, é comum enxergarmos esses borrões de luzes. Resquícios de informação luminosa, que ainda estão sendo levadas através do nosso nervo ótico até o nosso cérebro, gosto de pensar assim. Sinal de que ainda estamos vivos, sinal também, de que nossos olhos, agora adormecidos cedem espaço ao desconhecido. Algo que não enxergamos, mas sentimos. Aquilo que falei anteriormente sobe a luz, enxergar, etc. apesar de fazer todo sentido, de fato, não é tudo. A visão nada mais é do que aquilo que nos diferencia dos cegos, algo prático, automático e banal (para muitos), uma vantagem para nós, que enxergamos porem isso não é uma verdade absoluta. É preciso reconhecer também algumas desvantagens ocultas nos caminhos da visão. Em “Ensaio sobre a cegueira” Saramago recorre à abundância de luz como uma doença que se alastra. É cegueira na mesma, uma privação do olhar, só que ao contrario. Ao meu ver, Saramago impõe justamente ao cego, (que já nasceu enxergando tudo negro), o poder da visão, assegurando-lhe certa vantagem sobre os demais que tinham os olhos ofuscados pela luz em excesso, talvez seja esse um dos problemas da visão. Há muita gente por aí que enxerga perfeitamente bem, mas não vê nada.

Eu mesmo, por vezes me enxergo andando em círculos com o excesso de informação disponível. O acesso à informação é uma arma poderosa, a cura para ignorância, remedio essencial na busca de conhecimento. Mas em excesso torna-se arma letal, quando manipulada por grandes espertalhões, normalmente são esses os seres asquerosos de caracter duvidoso. Damos a esse fenómeno o nome de Propaganda.

Mas estamos de olhos fechados, lembra?

É preciso termos paciência e deixarmos que os borrões de luzes lentamente se percam no infinito de nós mesmos. Mesmo que nesse momento já não faça tanto sentido esse modo prático e automático de enxergarmos coisas, surge então uma sensação. desbravamos o desconhecido, de modo consciente deixamos esmaecer o momento presente e então voltamos, com certa paciência, a enxergar…

Coisas?

Que achas?

Não. Já não são coisas... Coisas são objetos, de diferentes formas e proporções, enfim, de maneira transversal, coisa é tudo aquilo que tem matéria, volume, espacialidade, podemos tocar, pegar, sentir; ver. Mas ao enxergarmos com os olhos fechados entramos em contato com a outra parte de nós mesmos. Uma espécie de linha do tempo particular. Paralelo do que é emocional, relativo às lembranças. As que cá estão e as que achamos que já não estão mais, talvez seja essa ultima o que chamamos de intuição(?). É isso, gosto de pensar em uma forma criativa de recebermos estímulos permeando a barreira infinita do que somos sintetizando todas nossas experiências em meio a toda uma abstração do nosso imaginário. Aquelas coisas que na verdade não são coisas, chamamos de memória.

Te perdi?

Em suma eu diria que memória é a incrível capacidade que temos em juntar "coisa com coisa " de uma forma singular.

Melhorou?

E mais, a luz é aquela coisa, que também não é coisa, mas que bate em outra coisa que refletida nos torna possível enxergarmos mais coisas. E que essas coisas que enxergamos por causa da luz, na verdade é somente parte das coisas que enxergamos quando enxergamos "coisa com coisa" de olhos fechados. Simples!Verdade mesmo é que essa coisa toda me deixa até exausto. Volta e meia me pego a imaginar... 

Como será que funciona essa coisa toda para quem é cego ou não consegue ver?