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O estranho conhecido (Mais do mesmo)

Triste pensar que fazemos parte de uma geração de opostos. Onde para que tenha impacto a coisa tem que ser radical, visceral. Não sei de fato dizer se em outras gerações também era assim, até acredito que sim porém de maneira diferente, outros tempos, em que era mais fácil reter a informação, porém, com todo o acesso que temos à informação hoje em dia, precisamos ser sábios, responsáveis e, principalmente, coerente com nossos princípios. Seria muito bom, mas a verdade é que enxergo algo nebuloso nisso tudo, como se houvesse uma necessidade de invalidar a opinião do outro.

Não me parece mais uma questão de certo ou errado, quando estamos nos extremos, estamos tão distante dos outros que não ponderamos seus pensamentos, criticamos, “no matter what”! E assim vejo meu país e o mundo fervendo, à beira de um colapso e tudo parece ser enfrentado na base da comédia, a banalização do que é sério, onde ser contra é ser errado, inútil e desprezível. E assim também acabamos por nos sentir impotentes, distantes de tudo. Nos distanciamos tanto dos outros que acabamos distanciando de nós mesmos. Ficamos cegos, e aos olhos dos cegos tudo parece muito óbvio!

É como se existisse um único caminho a seguir, sem opção de escolha. Sem eu. Nem você. Pode até parecer inútil, ou melhor, improvável que uma ação nossa faça diferença no mundo, e muitas vezes sim, nossas ações não serão percebidas pelo mundo, mas ela interfere diretamente em nós e, por mais improvável que isso pareça, mais do que nunca precisamos agir. Mas agir de acordo com a nossa intuição, nosso coração, com o que acreditamos de fato, e não pelo que é de costume. Porém, antes de agirmos, é muito importante ouvirmos e considerarmos os outros, mesmo que, aos nossos olhos pareçam equivocados, mas somente enxergando o outro é que conseguimos parar para pensar, e antes de agirmos é extremamente importante que possamos fazer exatamente isso. Parar para pensar.

Tão óbvio, não é? Mas isso é mais difícil do que parece, e muitos realmente acabam não pensando. Acabam aceitando os pensamentos dos outros, acreditando ser aquilo que realmente querem. Quando falamos em mundos de exércitos a liberdade se torna uma ameaça. Ameaça ao sistema, ameaça à normalidade. Não consigo imaginar uma palavra mais sem graça do que “normal”, e a anormalidade ameaça o controle (controle de alguém, que geralmente não é normal). Ao menor lampejo de liberdade, eis que surje um pastor, general, presidente, patrão, seja o que for, para restabelecer a ordem. Que ordem? De quem? Para quem? Como?

É preciso termos liberdade para pensar. E lutar por ela! Pensar de acordo com o que somos de fato, mas para isso também é preciso de tempo, e não temos esse tempo. Nossos “senhores” se encarregam de nos deixar ocupados, e às vezes até pagam bem para isso. Em muitos casos, nem isso. Tudo para que não nos seja necessário pensar! Então de forma ignorante e preguiçosa muitos acabam assumindo como verdade os pensamentos dos outros, de uma única pessoa, do rebanho, da massa, do povo, de todos, de ninguém. 

De que serve um rebanho, se não podemos contê-lo? E para contê-lo é necessário então que sejam criadas barreiras. Ora! Se não houvesse a necessidade de barreiras, não haveria tampouco a necessidade de um exército. Existem dois tipos de barreiras, as visíveis e as invisíveis. A primeira mais commumente utilizada para demarcar um território com muros, cercas, fronteiras etc. Aquilo que é meu e o que seu, essas, por serem visíveis se tornam menos importantes, pois é fácil sabermos quando estamos ultrapassando os nossos “limites”. Constituídas para a delimitação do que é posse de alguém, as barreiras visuais são commumente defendidas por um exército fiel ao seu senhor.

Mas são as invisíveis que me inspiram maior preocupação, essas não têm limites pré estabelecidos. Essas barreiras são geralmente asseguradas através da manipulação de uma ideia, um ideal. Uma ideologia. Por estarem diretamente ligadas às nossas crenças e costumes, essas são as barreiras que delimitam a nossa liberdade de pensar e questionar. Ela representa o aprisionamento daquilo que nos fazem seres humanos. Através desses mecanismos de manipulação de massas é que o senhor “cria” seu exército. 

A religião, por exemplo, é o mais antigo e bem sucedido mecanismo de manipulação de massas da história da humanidade, pois se apoderaram do bem mais poderoso no ser humano, a fé, para delimitar o que é certo e o que é errado, e todos aqueles que, por não estarem de acordo com suas crenças e costumes, representavam uma ameaça ao poder de controle sobre seu “exército” de fiéis. Esses então, ao longo de toda história, foram brutalmente perseguidos, assassinados e torturados, em praça pública, que era para servirem de maus exemplos. Dizimaram da memória civilizações inteiras, retendo seu conhecimento e passando à frente apenas o necessário para conter e aumentar seu exército. Podendo assim ampliar cada vez mais seu “território” também.

Outros modelos de controle de massas também tiveram papel importante na nossa história, principalmente no campo político, regimes como o fascismo de Mussolini, o nazismo de Hitler, Baathismo de Saddam, entre muitos outros. A grande diferença entre o modelo político e o religioso é que no modelo político, a propagação de um ideal e controle do poder, está diretamente ligado à um território e sua população, ou seja o modelo político apesar de utilizar muitas vertentes do religioso, está mais voltado para a barreira visual, onde o exército é a principal forma de imposição. 

Nos modelos acima, a economia tinha um papel secundário na detenção do poder, uma vez que em um regime totalitário quem manda é o senhor. E o senhor é tudo! Porém ao falarmos dos dias de hoje, temos um modelo económico, pela primeira vez na história, se sobrepondo ao modelo político e religioso. Democracia e capitalismo são modelos incompatíveis em sua própria essência, porém tiveram espaço devido ao enfraquecimento religioso do último século. E o que tem isso a ver com o imenso vácuo e intolerância entre as pessoas? Tudo!

A corrupção se tornou a única forma da política manter o poder sobre o capitalismo, que também começa a entrar em crise por se mostrar um modelo insustentável, já que se baseia em dois pilares principais, produção e consumo. Para produção é necessário recursos naturais que, cada vez mais escassos, vemos hoje uma necessidade urgente em pararmos com a produção desenfreada. Sendo assim o capitalismo também não terá lugar no futuro se não se adaptar às novas (já antigas) demandas ambientais.

Nessa confusão toda nos deparamos com um scenario onde nos últimos anos o cruzamento entre religião (que sempre se fortalece em scenario de indefinição e desespero) e política voltam a ganhar força. O maior exemplo disso é o fortalecimento de partidos políticos com viés conservador sustentados pelo forte apelo que a religião tem sobre os valores da família e dos costumes. 

Ora vejamos então. Sendo a religião o único modelo de manipulação de massa que sobreviveu a todos os outros, baseada justamente na ideia de que é necessário criar uma barreira intelectual de seu exército para manter a ordem. Ordem essa que a política já demonstra não controlar. Acho muito sintomático que ela esteja ganhando poder justamente em um período em que há uma desinformação generalizada da população através da propagação de fake news, da banalização da opinião do outro, negação daquilo que todos vêm mas não enxergam, fazendo então surgir uma polarização extrema entre as partes que lhe interessam, como exército, e aqueles que devem ser “inutilizados”. Criando assim um vácuo, uma desconexão entre as pessoas.

Hoje vivemos na história da humanidade mais um desses períodos onde se torna extremamente necessário sairmos desse automatismo, criado ora através da política, ora pela economia escrava do trabalho incessante, ora pela religião. É importante buscarmos dentro de nós mesmos aquilo que, na essência sempre fomos, quebrar os padrões que mantém em pé a muralha que barra nossos pensamentos. Tijolo por tijolo. É preciso resgatarmos o senso crítico, mas mais que tudo, estarmos abertos uns aos outros de coração. Há uma necessidade urgente em praticarmos amor, paciência! Paciência com nós mesmos, e saber que fé, não depende de religião, depende de nós, e que ninguém deveria ter o poder de mudar a sua fé.

Assim como não se compra felicidade, também não se busca felicidade, não é algo para se ter. Quando estamos felizes, de verdade, só precisamos SER!